"...é concebível que acabemos descobrindo mais e não menos mulheres autistas, assim que examinarmos melhor; talvez a célebre vantagem feminina na linguagem e inteligência social proteja algumas mulheres, nascidas com a herança genética do autismo, excluindo-as da categoria diagnosticável de "autismo de alto funcionamento" e incluindo-as na forma disfarçada e não manifesta do distúrbio.(...)" (John J. Ratey e Catherine Johnson, no livro "Síndromes Silenciosas", p.235 Ed. Objetiva)
"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois". (Arthur da Távola)

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quinta-feira, 25 de março de 2010

O reencontro com meu filho após 6 anos, e novamente a separação...

Para quem leu a postagem "Cultivar o jardim!", eu gostaria de contar mais um trecho dessa fase que eu descrevi:
Quando eu vim de Brasília para o nascimento da minha filha, existia uma alegria muito grande por eu estar novamente com meu filho.
No primeiro contato que meu filho teve com meu marido ele foi rejeitado prontamente pois ele não tolerou a maneira como eu me relacionava com meu filho, disse que eu o mimava muito, desconsiderando que estávamos eu e meu filho separados por seis anos.
E ainda tinha o agravante que meu filho tem um comportamento muito adulto para a idade dele, vive muito isolado e isto o faz parecer antipático, hoje eu sei que ele é Asperger.
Eu perdoei meu marido pois ele se desculpou um tempo depois, quando tentamos trazer minha enteada de 6 anos para morar conosco e não deu certo, depois de seis meses de tentativas frustradas ela teve que voltar para a casa de minha sogra.
Os motivos da impossibilidade da minha enteada ficar morando com a gente foram vários: o pai(meu marido) trabalhava de dia estudava a noite a semana toda e ela não admitia que tinha que ficar comigo.
Nesta época morávamos num apartamento e minha filha tinha 1 ano, e minha enteada era acostumada a brincar ao ar livre, pois morava em Planaltina-DF onde faz calor o ano todo e isso propiciava esta liberdade.
E sem falar que os ciúmes, da irmã mais nova e da nova esposa do seu pai (esta que vos escreve) neste caso começaram a ficar num grau insustentável até que tivemos que pedir ajuda profissional, ela começou a ter problemas sérios na escola, etc...E ela também achou que por ser uma cidade litorânea, onde morávamos na época, freqüentaria praia o ano todo, mas aqui no sul só temos praia nos tres meses de verão, o resto do ano é muito frio.
A escola dela solicitou acompanhamento psicológico e a psicóloga solicitou a participação do meu marido, só que ele trabalhava de dia e estudava a noite e não pôde dar a assistência que ela merecia por ter somente seis anos,então eu a acompanhei em todo o tratamento, mas por mais que meu marido tentasse ele não conseguia juntar-se a nós neste processo, então a psicóloga mandou ele escolher entre ele tratar dela ou levá-la de volta para minha sogra, pois sem a participação do pai o tratamento não poderia ser feito.
Resultado fui responsabilizada pela volta da minha enteada, pois como meu filho estava na mesma cidade e não freqüentava minha casa, presumiu-se que eu não apoiei a minha enteada para ficar por ciúmes, e o pior, como eu realmente tinha muita dificuldade com ela fui acusada de não permitir que ela se adapta-se.
Com isto o casamento ficou por um fio, resolvemos nos reconciliar e fizemos todos os pedidos de desculpas cabíveis, e estamos conseguindo manter nosso casamento pelo propósito de fazer nossa vida dar certo.
Até aí morávamos na mesma cidade, mas meu filho na casa da minha mãe, e nós em outra casa com a nossa filha.
Esta irmã foi muito esperada por meu filho.
Ele sempre dizia que queria ter uma irmã.
Passamos tres anos e meio na mesma cidade, cada um na sua casa, no entanto a relação com a minha mãe não era nada amistosa, e ficava cada dia pior pois minha filha ainda sem diagnóstico era comparada a mim o tempo inteiro, e nos tratavam como duas insuportaveis.
Quando veio o diagnóstico dela, procuramos tratamento na saúde pública e obviamente não encontramos, estávamos numa cidadezinha litorânea quase sem recurso.
Foi aí que veio a informação que a APAE da minha cidade natal, que fica 300Km de onde eu estava morando perto do meu filho.
Eu já conhecia a instituição e sabia que tinha uma tradição muito grande, que funciona como escola especial e é muito bem assistida pela sociedade local e era uma das poucas APAES do Brasil que havia conseguido fazer convênio com o SUS, e recebera 22 profissionais no seu quadro de funcionários.
É fantástico o trabalho desenvolvido nesta instituição.
Porém, eu e meu filho nos separamos novamente.
Foi muito pior que da primeira vez quando ele tinha 3 anos, nesta separação ele estava com 13 e precisava muito mais de mim, estávamos morando na mesma rua e nos víamos quase todo dia.

Quando veio o momento de decidir qual seria o tratamento da minha filha, eu tive a sensação de que estava optando por um dos dois, eu não desejo isso para ninguém no universo.
Meu filho não queria vir para esta cidade por causa do frio, ele passou sua infância aqui, disse que não gosta daqui e também por não querer sair da casa da avó.
Na hora que tomei a decisão meu filho ficou abalado, mas passado o primeiro impacto ele bravamente me incentivou e disse que nossa nova separação seria por uma causa justa, o tratamento da sua irmã tão querida, mas eu sei que ele sofre calado com nossa ausência.

Hoje nos comunicamos pela internet, e eu percebo que ele está cada dia mais fechado no seu próprio mundo, no seu quarto com seu computador, na sua "tática de auto isolamento", tática que foi desenvolvida por ele para obter êxito nos seus estudos quando reprovou na quinta série, porém a tática agora não é usada só na escola, mas em tempo integral.
Eu tenho 4 irmãos adolescentes(ao todo somos em 8 irmãos, e eu "A primogênita"), que são "tios-irmãos" do meu filho, e moram também, todos com minha mãe, e comparam meu filho como um senhor idoso, e dizem que ele fala como se tivesse lendo um texto ou um livro, meus irmãos ficam perguntando se ele algum dia vai ter amigos e sair de casa.
Eu converso muito com ele sobre isso, e nas últimas férias, no verão, que passamos um tempo junto, e já fazia 6 meses do diagnóstico da irmã dele, e com todas os meus estudos fiquei sabendo que ele tem síndrome de Ásperger, então expliquei tudo para ele, e percebi que ele acalmou o coração, pois ele queria saber porque não era igual as outras pessoas da idade dele.

A nossa mudança aconteceu em junho/2009, eu vim antes do meu marido, fique morando de favor na casa de um familiar, era final do semestre e meu marido cursava engenharia elétrica com bolsa integral do PROUNI e tinha compromisso com seu emprego.
No segundo semestre a empresa que ele trabalha o transferiu para a região onde iríamos morar, alugamos uma casa e ele veio morar conosco, só que aqui além de não ter o mesmo curso, a universidade ainda não tinha convênio com o PROUNI, então ele transferiu para um curso similar, mecatrônica, e tentamos pagar algumas matérias, mas isso arrasou com nossa vida financeira. Resultado, no início de 2010 ele resolveu trancar a faculdade e esta esperando o convênio com o PROUNI ser aprovado este ano, a bolsa pode ficar trancada por dois anos.

Minha família tentou me consolar dizendo que pelo menos desta vez não ficaríamos 4000 KM de distância, que desta vez seriam "SÓ" 300 KM, mas o fato é que vivemos longe dos nossos filhos mais velhos.
Eu e meu marido convivemos com esta ausência que dilacera a alma, com a culpa que tentamos desesperadamente não transferir para a nossa caçula, que enfrenta tudo isso como um verdadeiro anjo.
E temos mais dois anjos guerreiros que são a minha enteada que hoje ainda está com minha sogra agora no norte de Minas Gerais, e meu filho que mora com minha mãe no litoral.
E nós três nesta cidade serrana do sul do país, onde o frio já dá os ares de sua graça...
E faz muito, mas muito frio mesmo durante seis meses.
E eu que achei que nunca mais retornaria para a cidade onde nasci e passei os piores dias de minha vida, aqui estou escrevendo minha história... e aprendendo a me reconciliar com todas as coisas do céu e da terra!!!Como disse Massaharu Taniguchi fundador da Seicho-no-Ie, filosofia oriental que também já me ajudou muito!

Muito obrigada a todos que lêem meus relatos, e saibam que seus comentários são uma riqueza para mim, me dão o ânimo que necessito para enfrentar o isolamento e os desafios diários.

Abraço forte!
tidymae@hotmail.com

3 comentários:

  1. Incrível tua história, como a genética esta ali presente, e o mais importante, "se conhecer para ajudar". Vc não teve isso né?
    Agora seus filhos terão teu apoio.
    Beijos querida!

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  2. Tão complicado ficar separado de quem a gente ama né... imagino a dor que vc sente. Mas uma coisa é certa: ninguém pode falar que vc não tentou. Sua enteada e seu filho estão bem, sentir falta do pai e da mãe é claro que eles sentem mas estão com pessoas de confiança e isso conforta um pouco né?

    Tantas coisas acontecem ao mesmo tempo que as vezes parece que não vamos conseguir ser felizes mas 100% de felicidade não existe.

    Eu sou a Karla que gosta de futebol e torce pro São Paulo e Botafogo, sou a Karla irmã, Karla filha, a Karla publicitária, a Karla TDAH,a Karla que faz arte marcial, a Karla mulher, etc etc... e cada Karla tem uma necessidade... a Karla mulher está triste e carente porque não tem namorado, a Karla publicitária está feliz porque cada vez mais a agência fica conhecida, a Karla irmã fica preocupada com a evolução do Lu, autista e com a irmã que mora em Londres, a Karla filha está feliz porque o relacionamento com os pais hj está ótimo, a Karla torcedora está feliz com os dois times mas procupada com as próximas partidas e por assim vai... Temos que procurar ser feliz e evoluir sempre, não importa as condições momentâneas.

    Morando com sua filha hoje em dia e descobrindo o diagnóstico dela vc pode se encontrar e compreender seu marido e seu filho. Que bom que isso aconteceu.

    Filtre o que os outros falam pra vc e não se desgaste a toa... absorva só o que for bom... críticas são bem vindas desde que sejam construtivas... se for pra te deprimir, que entre por um ouvido e saia pelo outro.

    Seu filho deve gostar de ler... mande cartas pelo correio de vez em quando, ele vai se sentir amado e vai te sentir mais perto. Indique livros de asperger pra ele ler: nasci em um dia azul é tão legal, o estranho caso do cachorro morto (mas é triste) tbm.

    Sua história (ou a parte que eu conheço) me mostra o quanto vc é guerreira!

    No final deste post eu me emocionei... porque eu ia te mandar email falando da seicho-no-ie. Minha mãe é fã da filosofia de vida, frequanta, lê as revistas e foi curada lá (ela teve sindrome do pânico). Eu adoro e acredito muito no pensamento positivo. Eu procuro agradecer no meu tempo livre tudo que tenho: obrigada céu e núvens, obrigada sol, obrigada chuva, obrigada poste, obrigada passeio, obrigada energia elétrica, obrigada funcionários, obrigada pela saúde, etc etc... venho pro trabalho olhando e agradecendo tudo. E penso na solução de tudo "obrigada por meu irmão ter tido um dia exemplar na escola hj" focando na solução... e, durmo as vezes pensando: imagem verdadeira, harmonia, perfeição. Sempre repito esse mantra: quando estou triste, quando vou dormir, quando tenho dor, etc etc.

    Nossa imagem é verdadeiramente perfeita.e harmoniosa e por isso somos felizes. Os problemas não existem.

    Tem a sutra sagrada?

    Nem to acreditando que temos tantas coisas em comum: autistas na família, sermos espiritualistas, o diagnótico de um parente ajudou a gente a nos compreender... legal né?

    Beijos!!!

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  3. Achei este blog por puro acaso e me detive quando percebi uma coincidência com minha vida.

    Sempre fui um péssimo aluno quando criança, só descobrindo mais tarde em um acesso de raiva de um professor que fez um comentário irônico a respeito de minha capacidade que podia "aprender sozinho", mais tarde,que "só conseguia aprender sozinho", pois somente assim conseguia a devida concentração. Hoje sou um profissional de publicidade e tenho minha própria empresa, gerando o meu sustento e de minha família, tendo aprendido quase tudo sozinho...

    Mas a minha grande descoberta, a respeito de mim mesmo, foi a chegada do meu filho caçula Gabriel Angelo. Aos 08 anos foi diagnosticado autista e apesar do susto inicial eu passei a reconhecer nele muito da minha maneira de agir quando criança, principalmente o fato dele aprender sozinho, apenas observando, ter talento para desenhar e uma série de outras coincidências. Se sou autista? Não sei, pois nunca fui ao médico conferir isso...mas o fato é que hoje sou um homem mais compreensivo comigo mesmo.
    Atualmente o Gabriel estuda desenho e computação gráfica para futuramente trabalharmos juntos.

    Hoje não aprendo mais sozinho, aprendo com meu filho Gabriel.

    Emerson

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Autismo de alto funcionamento:

"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo.

Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento.

Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger..."

(Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP)

Dr. Simon Baron-Cohen, diz no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres.":

"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças.

Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.

Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".

Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.

Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social.

Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo.

Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem.

É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais."...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


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