"...é concebível que acabemos descobrindo mais e não menos mulheres autistas, assim que examinarmos melhor; talvez a célebre vantagem feminina na linguagem e inteligência social proteja algumas mulheres, nascidas com a herança genética do autismo, excluindo-as da categoria diagnosticável de "autismo de alto funcionamento" e incluindo-as na forma disfarçada e não manifesta do distúrbio.(...)" (John J. Ratey e Catherine Johnson, no livro "Síndromes Silenciosas", p.235 Ed. Objetiva)
"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois". (Arthur da Távola)

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sábado, 6 de março de 2010

Estou cansada de "representar"!

Eu sinceramente ando lutando muito contra os personagens que eu represento para conseguir me comunicar, estou exausta fisicamente e emocionalmente.

Que fique bem claro que estes personagens não são criados de forma maquiavélica ou com má intenção para enganar as pessoas, estas representações normalmente acontecem em ambientes públicos onde inconscientemente assumimos uma postura que normalmente não conseguiríamos ter, para nos apresentar de modo adequado, e consequentemente nos sentirmos aceitos.

Porém, depois sempre vem a maldita cobrança: PORQUE MEU SENTIMENTO NÃO CORRESPONDE COM AS MINHAS ATITUDES??

Vou dar um exemplo deste "inferno" que vivemos para nos relacionar:

Quando eu e meu marido saímos para levar a nossa filha ao parque, eu automaticamente deixo de lado o pavor de ter que encontrar um conhecido e ainda ter que conversar com alguém, e me "tranformo" numa "mãe que sempre leva seus filhos ao parque" .
Só que quando eu retorno para casa:
- já não sei mais se realmente gostei do passeio,
- se aquilo era tudo falso,
- se estou triste,
- se estou com raiva por ter ido,
- porque eu tive que falar todas aquelas coisas para aquelas pessoas?
- porque eu falei tudo o que NÃO era pra falar?
- porque contei tanta coisa para quem eu nem conhecia?
- porque eu tive que sair de casa e porque não sair?
- eu tive opção?
- e se eu tivesse ficado em casa, como minha filha ficaria sem a oportunidade de se relacionar?...e aí a cabeça vai indo embora!
As vezes entro em crise nervosa, normalmente já chego em casa chorando, jurando que nunca mais vou sair de casa.

Enfim é uma confusão mental tão grande que dá vontade de morrer!!E ainda teremos que continuar interagindo, dando atenção para a filha, para o marido, talvez ainda ter que atender um telefonema e tudo isto vai nos violentando de tal forma que realmente dá vontade de morrer pra acabar com tudo!

Já fiz tratamento com anti depressivos, pois a depressão sempre me acompanha, mas até eu descobrir o meu tipo de transtorno, estes anti depressivos só tratavam as consequências e adiavam a descoberta da causa de tudo: o autismo.

Hoje, com esta consciência toda a luta é bem mais intensa, é como procurar alguém que eu mesma tentei matar por longos e tenebrosos anos, pois até bem pouco tempo atrás eu me desconsiderava totalmente, e agora?? QUEM SOU EU?

Não me questiono de maneira filosófica e abstrata, mas de maneira puramente prática, do que realmente gosto de comer, onde gostaria de morar, que tipo de assuntos eu gosto de falar, porque não consigo fazer mais trabalhos manuais, estou me tornando cada vez mais contemplativa...

Ainda sinto que estou aos "trancos e barrancos", mesmo com todo o esclarecimento eu sofro muito.
Eu entendo que somos o que somos, e quem podemos ser...porém preciso sair desta angústia, desta falta de entusiasmo.

A vida sem o diagnóstico foi para mim um acúmulo de mágoas e doenças, depressão, dor crônica(fibromialgia), stress, cansaço, e um sem fim de mazelas.

Mas não posso deixar de registrar que o esforço para criar este blog me ajudou muito, é para mim uma "luz no fim do túnel", quanto mais escrevo, mais vou saindo do personagem e me descobrindo como uma pessoa com características bem marcantes.

Características que muitas vezes neguei, por não conseguir vencer a confusão mental. Aí vinham as cobranças pela minha IMATURIDADE EMOCIONAL.

Eu tenho sentimentos.
Eu sei o que quero.
Porém na hora de me comunicar, de agir, a confusão mental e a dificuldade é tanta que ocorre uma "auto-sabotagem" se é que esta palavra existe! A verdade é que nos traímos com nosso próprio discurso, com nossas próprias atitudes, estamos ali vendo tudo acontecer, sabemos que nós mesmos estamos nos traindo e mesmo assim não conseguimos evitar.

tidymae@hotmail.com

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Autismo de alto funcionamento:

"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo.

Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento.

Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger..."

(Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP)

Dr. Simon Baron-Cohen, diz no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres.":

"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças.

Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.

Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".

Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.

Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social.

Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo.

Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem.

É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais."...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


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